sexta-feira, 22 de novembro de 2013

3. CÍRIO: Cultura-Lenda da Cobra Grande e o Círio de Nazaré

SIGNIFICADO DA IDENTIDADE CABOCLA NO CÍRIO DE NAZARÉ (PARÁ)
Cultura-Lenda da Cobra Grande e o Círio de Nazaré: Virgem Maria de Nazaré Eleita Protetora do Caboclo Contra a Cobra Grande.

Bonifácio Cabral de Melo Neto[1]
RESUMO: O presente trabalho objetiva discutir a partir da cultura material e imaterial a identidade cabocla no Círio de Nazaré. Considerando a categoria cabocla na ótica de que a mesma, embora sendo marginalizada no processo de modernização da Amazônia, tem sua participação efetiva na construção de cultura típica da Amazônia. A festa do Círio de Nazaré é o período de manifestação da cultura do personagem caboclo e que se observa a grande participação e aceitação da identidade do homem amazônico, bem como toda a simbologia da festa. A tese do negar-se, não é vista, o celf  é manifestado.

PALAVRAS-CHAVE: Categoria Cabocla, Identidade, Cultura, Círio de Nazaré e Significados. 

INTRODUÇÃO
O tema “Significado da identidade cabocla no círio de Nazaré Belém-Pa”, remonta ao momento da história do Séc. XIX, onde a elite brasileira usou as teorias estrangeiras do que seja “raça”, que chegam ao Brasil “alertando” quanto aos sérios problemas que a mestiçagem causaria ao Brasil, no sentido degenerativo e de inferioridade dos povos, considerando assim um Brasil mestiço destinado ao insucesso e classificando o resultado dessa mistura de raças, ditas como inferior. Da Matta (1990) especula se o preconceito ou o racismo do Conde Gobineau realmente acabou no Brasil.


“... confirmação cientifica da preguiça do índio, melancolia do negro e a cupidez e estupidez do branco lusitano, degredado e degradado. Tais seriam hoje os fatores responsáveis, nesta visão tão errônea quanto popular, pelo atraso econômico-social que, entregue a si mesmo, só poderia degenerar-se. Ouvindo tais opiniões tantas vezes, eu sempre me pergunto se o racismo do famoso Conde de Gobineau está morto!...” (DA MATTA, 1990.p.59).


Vê-se, então, nesta fala de Roberto Da Matta, uma certa continuidade do racismo aliado ao degenerativo e a uma visão pessimista que incorpora uma rotulação de negatividade atuante sobre o eu do homem brasileiro.
Gobineau, na sua obra A Diversidade Moral e Intelectual das Raças, citada por (Da Matta, 1990, p.72 apud Gobineau, 1856, p.95-96), apresenta a concepção de superioridade branca e a sua visão determinista.
            Quanto à Identidade cultural, Hall (2005) propõe três concepções de identidade, a partir do conceito de sujeito: a) sujeito do Iluminismo, b) sujeito sociológico e c) sujeito pós-moderno. Segundo Hall (2005), o sujeito do Iluminismo era individualizado. “O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa e estava centrada no ‘interior’ do sujeito, nascia junto com ele e permanecia a mesma ao longo de sua vida”. René Descartes é o filósofo “criador” do sujeito cartesiano – racional, pensante e consciente - era o sujeito do Iluminismo. O sujeito sociológico, ao contrário, não era mais um ser auto-suficiente. Refletindo a concepção do mundo moderno, sua identidade era “... formada pela interação do eu individualizado e a sociedade...” (Hall, 2005, p. 11), pela interação do “interior” (mundo individual) e do “exterior” (mundo público).
Assim, o sujeito pós-moderno assume identidades diferentes durante a trajetória de sua história. O indivíduo fragmenta-se em diversas identificações, diferentes papéis, que são definidas historicamente. Tal indivíduo, ao deparar-se diante de situações e representações culturais diferentes, confronta-se com uma multiplicidade de identidades diferentes.
Neste trabalho, pressupõe-se de que o “eu” do individuo possua integridade e consiga conduzir-se à multiplicidade étnica recorrente de circunstâncias de perda e ganho (Cardoso de Oliveira, 2002), mais propriamente dizendo que, o mesmo possa manter íntegro o eu, assumindo várias identidades: “Ei-la: na multiplicidade de identidades que uma pessoa pode assumir, como essa pessoa pode manter a integridade de seu Eu? ...” (Cardoso de Oliveira, 2002, p.12). Essa definição é importante para se entender a flexibilidade dos limites que marcam as diferenças de grupos e sujeitos, dentro de um contexto étnico, e os papéis que desempenham, conforme as circunstâncias, precisando destacar a separação entre o “Eu e a identidade ou as outras identidades que ele pode abrigar” (apud Sökefeld, 1999, p.13).
O nome que se pode dar neste processo negociador entre os eu’s e as identidades  é de mecanismo de renúncia, “Identidade renunciada”.  O termo é tratado por Erikson (apud, Erikson, 1968), que sugere a negação, ou melhor, a renúncia da identidade para a adaptação, e a conformidade dirigida pela práxis do momento ou pelas circunstâncias, podendo ser a qualquer tempo invocado e revivido, não resumindo ausência total de Identidade, mas um elo entre o passado e o futuro (apud Erikson, 1968, p. 297).
Os componentes chaves, que formam o estereótipo do caboclo, consistem no meio ambiente amazônico e em seu comportamento econômico. Partindo desse princípio, analisa-se o arquétipo do caboclo, segundo Deborah de Magalhães:


“... O arquétipo[2] do caboclo é composto de traços culturais que distinguem seu modo de vida de uma existência branca e urbana. As características de uma arquitetura distinta, os meios de transporte que usa, seus instrumentos de trabalhos, seu conhecimento, o modo de manejar os recursos da floresta, seus hábitos alimentares, sua religiosidade, mitologia, sistema de parentesco e diversos maneirismos sociais expressam a existência de uma cultura cabocla que é básica para o conceito desse típico amazônida...” (LIMA AYRES, 1999, p.13).


A peculiar maneira de viver ou estilo de vida ligado à floresta resume o caboclo como uma categoria social distinta, classificada como classe amazônica subalterna pelos políticos coloniais iniciais, que inclui no seu bojo, além da referência à população rural e ao estilo de vida, o estereótipo do preguiçoso, indolente, passivo, criativo, desconfiado e pobre (Lima Ayres, 1999).  
A condição de pobreza do caboclo, em relação aos padrões de vida urbanos e internacionais, é também associada às questões de produtividade e desempenho econômico, ou seja, este homem que vive num ambiente rico e diverso deveria explorar materialmente com melhor competência, ao passo que o mesmo contrasta entre um “eldorado” e condições desfavoráveis econômicas e politicamente, desde o período colonial.
O Estereótipo étnico do ameríndio compõe a carga de conseqüência da situação social de pobreza do caboclo que traz a herança cultural indígena consigo, assim Lima Ayres afirma: “... acredita-se em que eles sigam a mesma indisposição que se atribui ao índio para desempenhar trabalhos árduos. Nessa extensão do preconceito, considera-se que os caboclos possuem a característica estereotipada da ociosidade indígena (em oposição ao ideal de produtividade)...” (Lima Ayres,1999, p.14).
A simplicidade das habitações e o pouco poder aquisitivo faz do caboclo o indolente, que em suas condições de vida não é compreendido. Pois, o ambiente amazônico exuberante é imperioso que contradiz a condição da pobreza do caboclo juntamente com as questões raciais, que são julgados preguiçosos e fracassados, sob uma ótica dominante.
Toma-se o conceito de Barth (2000), em que o mesmo define duas noções importantes para a elaboração de um grupo étnico que seja reconhecido sua especificidade, suas expressões e seus direitos. Seria pela auto-atribuição e atribuição. Em outras palavras, como é possível aceitamento (auto-atribuição e atribuição) do caboclo enquanto grupo étnico, se este elemento não se assume enquanto identidade constituída pelo reconhecimento de si próprio?  Ou melhor, ele se enquadra numa categoria social de atribuição pelos outros, sendo assim, é possível que esta identidade não exista ou é invisível num processo de negação, carregando consigo a impessoalidade.
Tem-se no caboclo, segundo Lima Ayres (1999), duas concepções de categorias, uma que fala do outro e, outra categoria representativa socialmente, que é complexa, ambígua e estereotipada. O termo caboclo coloquialmente não é grupo social e nem muito menos étnico. Barth (2000) resume à população rural de agricultores da Amazônia que não é atribuída a um movimento político. Então, a desistência do termo caboclo ligado à identidade rural é pertinente para compreensão que esta identidade não existe, pois trata de uma representação (Lima Ayres, 1999).
A não afirmação do caboclo fundamenta um sentido de aceitação de nomeação, rotulado, contextualmente, na identidade negativa, assim sendo: “o caboclo aquele que não é... é a aceitação da negação (Rodrigues, 2006, p. 123 apud Cardoso de Oliveira, 1972, p. 29). A grande recusa do termo do caboclo vem desta condição de ser marginal, atrasado, que está à margem da modernidade”, o caboclo:


“... Não possuindo os atributos positivos das categorias que o construíram, seria o inverso da identidade nacional, ou seja, aquele que não consegue se integrar à sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que procurou apagar os traços da (não) identidade. Daí sua propalada invisibilidade, sua falta de memória, sua história silenciada e sua ausência nas instâncias políticas e sociais mais amplas...” (Rodrigues, 2006, p.123-124).


Afinal quem é o Caboclo? Se este não se constitui enquanto grupo étnico que se estabelece nos limites da simbolização constituída e alicerçada nas diferenças culturais naturalizadoras que definem a pertença a um grupo, caboclo é, então, o sujeito do paralelo, do fora, à parte num processo modernizador, é aquele que não é, para assim transitar na posição da negação pejorativa, para estabelecer a marca da diferença entre a categoria que o discrimina (Rodrigues, 2006). Se, no sentido de definição do caboclo e também de uma cultura cabocla, pode-se extrair as seguintes conclusões:


“.... Podemos também pensar essa categoria como um lugar de representação, ao mesmo tempo um lugar residual e uma fronteira móvel, que avança e recua. Uma cultura cabocla, vista sempre como um lugar residual, não existiria como cultura própria; afirmar-se-ia pela negação; seria então um espaço marcado por um duplo sentido de exclusão: de quem olha e fala do exterior, o caboclo é aquele que está fora da modernidade. De quem olha do interior, e vê o outro como espelho – ao mesmo tempo em que se vê pelos olhos dos outros – o caboclo é aquele que deseja ser o outro de si mesmo...” (RODRIGUES, 2006, p.126).


É possível que o caboclo possa ser a cultura de resistência? Porque dentro desta visão dos limites e fronteiras conceituais, políticas e éticas, o caboclo é que restou de um processo de aniquilamento que não o destruiu e abriu uma lacuna e um espaço de refúgio dentro das outras culturas e modernidade (Bhabha, 1998).
No contexto pós-moderno, Hall (2005) afirma que nasce um peculiar sujeito dentro deste processo:



“... Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma” celebração móvel “: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam..... É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas...” (Hall, 2005, p.12-13).


O caboclo, então, marca esta incógnita dentro das culturas, pois possui um “eu” volátil e relativizado, que não encontra base sólida para se constituir enquanto uma cultura propriamente dita cabocla.
A cultura cabocla tem formas de representações diversas e entre elas estão as lendas; neste artigo tem-se o olhar para a lenda da Cobra Grande e sua relação com a virgem Maria de Nazaré.
Inicialmente faz-se necessário reportar-se à Bíblia, no Velho Testamento, o livro de Gênesis, capítulo 3, versículos 14 e 15, por conta de ali estar o relato do momento do surgimento da mulher e da serpente


“....14. Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. 15. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar....”           (A Bíblia Sagrada, Português. Almeida, João Ferreira de. SBB. 1996 Gênesis 3:14,15)


            Entre as interpretações teológicas acerca do texto, existe a corrente protestante (evangélica) que afirma a tese de que o descendente da mulher seria Jesus Cristo, aquele que pisaria a cabeça da serpente, no caso, a serpente seria o próprio Diabo. A outra forma de análise é que a mulher seria a Igreja. Com respeito à frase em negrito é porque relaciona-se o texto de Gênesis com o texto do Novo Testamento, Livro de Efésios, capítulo 1, versículos 17 ao 23.


“17. para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, 18. iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos, 19. e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder; 20. o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, 21. acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro. 22. E pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, 23. a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas.”  (A Bíblia Sagrada, Português. Almeida, João Ferreira de. SBB. 1996 Gênesis 3:14,15)


            Nesta relação de Gênesis e Efésios, a idéia é que Jesus, conforme o verso 21, 22 de efésios, assumiu uma posição espiritual sobre todos os poderes, uma vez que o mesmo venceu a serpente e depois estendeu esse poder à Igreja, o seu corpo na terra.
A razão de se tratar sobre interpretações agora, é porque será visto, mais na frente, a construção do surgimento da quarta pessoa divina no cristianismo, dita de quaternidade ou o círculo quadrado, onde se tem a participação da Virgem Maria na trindade e toda a simbologia sendo transferida ao longo do processo de construção da mentalidade religiosa católica em específico, até ser re-significada na memória cabocla amazônica.


“.... Os antigos filósofos da natureza representavam a Trindade — enquanto imaginata in natura (imaginada através da natureza) — como os três asomata, spiritus ou volatilia, ou seja, água, ar e fogo. A quarta parte integrante era o somaton, a terra ou o corpo. Eles simbolizavam esta última por meio da Virgem. desta maneira, acrescentaram o elemento feminino à sua trindade física, criando, assim, a quaternidade ou o círculo quadrado,.... Não há dúvida de que o quarto elemento dos filósofos medievais se referia à terra e à mulher.....Maria subiu ao céu com seu corpo — único ser mortal, cuja alma reuniu-se ao corpo antes da ressurreição universal dos mortos. Nesta representação, como em outras do mesmo estilo, o rei é o Cristo triunfante, em união com sua esposa, a Igreja. Acontece, porém, — e este é o aspecto mais importante —, que Cristo como Deus é também, e ao mesmo tempo, a Trin­dade, que se transforma em quaternidade, com o acréscimo de uma quarta pessoa, a Rainha...... O azul é a cor do manto celeste de Maria. Ela é a terra coberta pelo céu azul...... Na medida em que é matrix, receptáculo e terra, quer dizer, aquilo que contém, ela é, para a intuição alegorizante, o redondo, assinalado pelos quatro pontos cardeais, ou seja, o orbe terrestre com as quatro estações celestes, escabelo da divindade, quadrado da Cidade santa, ou "flor do mar" na qual Cristo se esconde......” (PSICOLOGIA E RELIGIÃO Volume XI/1.CG. Jung. p. 99, 110, 111)


A introdução de uma quarta pessoa divino no cristianismo foi um grande problema para a Idade Média, por um lado e por outro o reconhe­cimento apenas condicional do elemento feminino da terra, do corpo e da matéria que, no entanto, sob a forma do ventre de Maria, "flor do mar" na qual Cristo se esconde, assim ficou inserida a virgem Maria à trindade, pois foi Maria a sede sagrada da divindade e o instrumento imprescindível da obra divina da redenção
            Nas explicações acima tem-se o entender  do processo de transferência do alegorismo da Igreja e Jesus para a Virgem Maria, onde se observa-se neste transferir Maria assumindo o papel de pisar a cabeça da serpente, aqui é importante lembrar a importância  introdução pelo caboclo do lenda  da   cobra grande na Amazônia e busca pela proteção de uma divindade. 


“.... Lá vai a cobra grande humana... É o Círio de Nazaré... A grande serpente humana, a ondular-se, segue da Catedral da Sé para a Basílica de Nazaré. Ali, a grande cobra, não uma lenda, mas a realidade formada por mais de um milhão de pessoas que volteou durante quilômetros, abaixa-se, curva-se, põe-se aos pés da Virgem, da Virgem de Nazaré, Padroeira dos Paraenses.....”  (www.amazonialegal.com.br/noticias)
                       

 












                       
                                              
A boiúna, de mboi, "cobra" e una, "negra", também conhecida como boiaçu, de mboi “cobra” e açu, "grande", portanto, “cobra negra ou cobra-grande” é, segundo Câmara Cascudo, o mais poderoso e complexo dos mitos amazônicos, exercendo ampla influência nas populações às margens do rio Amazonas e seus afluentes.
Há várias lendas sobre cobras: além da Cobra Grande propriamente dita (boiaçu, boiçu, boiguaçu, boioçu, boiuçu, palavras de origem tupi, a significar "cobra grande", que outra não é senão a sucuri, ou “anaconda”, réptil do qual, no arquipélago de Marajó, existem espécies de mais de 10 metros de comprimento), há ainda a Boiúna, a Boitatá e outras menos contadas. (www.pt.fantasia.wikia/ficheiro)
A Cobra Grande apresenta-se como enorme réptil que é capaz de virar até mesmo embarcações de considerável porte, comendo ou levando para o fundo dos rios os passageiros.
A Boiúna (do tupi, "cobra negra"), enorme cobra de cor preta, por possuir os mesmos sortilégios da Cobra Grande é muitas vezes confundida com a mesma. Tal Cobra Negra que diz-se ter dezenas de metros e os olhos como dois grandes faróis.
Existe uma crença de que várias cidades, vilas e povoados amazônicos, estejam situados sobre a morada de uma Cobra Grande, e entre elas está Belém, pois, acredita-se que a mesma fora fundada sobre a casa da enorme Cobra Grande e daí a crença de que, se a Cobra Grande se mexer, Belém estremece e, se a Cobra Grande resolver sair de seu lugar, Belém afundará e com ela todos os paraenses.
Estudo mais profundo do assunto poderia dizer se tal crença não nasceu dos primeiros missionários, que ao chegar em Belém, e, ao ouvir falar de Cobra Grande, a tenham resolvido esmagar, colocando-lhe a cabeça justamente sob os pés de Nossa Senhora, a Virgem Maria, porque, segundo a crença ou a lenda, a Cobra Grande que está sob Belém tem sua cabeça sob o altar da Catedral da Sé e a cauda sob o altar da Basílica de Nazaré. A crença fala em mais duas outras direções para a cauda: uma, indica a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no bairro da Cidade Velha e a outra, a Igreja de Santo Antônio. Sob o ponto de vista da evolução, do crescimento da cidade de Belém, a versão da cauda sob a Igreja do Carmo é a mais antiga e com a evolução da cidade, sua cauda mudou para ficar em baixo da Igreja de Santo Antônio. Finalmente mudando, ampliando até a Basílica de Nazaré e tornando-se a maior corrente.








                                  Fonte: www.amazonialegal.com.br/noticias

Os missionários, aqui, como em outros lugares, tiveram que adaptar a religião católica à cultura local, a fim de poderem conquistar novos fiéis. Quem sabe, se com isto, não tenham personificado a "boiaçu" dos indígenas, no símbolos do mal, no demônio, e a tenham resolvido esmagar, colocando-lhe a cabeça justamente sob o altar da Catedral da Sé onde fica a imagem de Santa Maria de Belém, por sinal muito parecido à Virgem esmagando a serpente, que era a encarnação do demônio.
A cabeça da cobra sob o altar da Catedral da Sé e a cauda em Nazaré, lembra também o famoso Círio de Nazaré que se inicia na Catedral e termina na Basílica de Nazaré.
Até hoje existem os que crêem na Cobra Grande sob Belém. Durante o tremor de terra ocorrido em Belém na madrugada de 12 de janeiro de 1970, muitas pessoas disseram que era a Cobra Grande que estava se mexendo. A lenda diz que, no dia em que a cobra sair do seu repouso, Belém será tragada pelas águas da Baía de Guajará. (www.amazonialegal.com.br/noticias)
Oficialmente, desde 1986, as festividades de Círio incluem a Romaria Rodo- Fluvial, realizada na sexta feira à tarde, como homenagem dos motoristas de carros e demais veículos, a imagem é levada pelas principais avenidas da cidade e pelas rodovias federais e estaduais até o município vizinho de Ananindeua, pernoitando na catedral local. Já no Sábado de manhã, a imagem é levada através da Baía de Guajará, do trapiche de Icoaraci à escadinha do Cais em Belém, acompanhada por um grande número de embarcações concretizando a homenagem dos pescadores e dos que necessitam dos rios como meio de transportes. Em terra firme inicia-se a homenagem dos motoqueiros que acompanham a imagem até à Basílica, novamente, pelas avenidas da cidade de Belém. Depois destas homenagens, a população se prepara para a Trasladação no sábado à noite. Nesta etapa, a imagem encontrada pelo caboclo Plácido, sai da guarda da capela do colégio Gentil Bittencourt e inicia uma procissão acompanhada por milhares de pessoas que cumprem promessas entoando rezando e ladainhas portando velas acessas fazendo o trajeto inverso do Círio que se realiza na manhã do 2. º domingo de outubro.Que simbolicamente é a representação da lenda, onde a Santa ao ser conduzida para longe das margens do igarapé sempre retornava ao seu lugar original.
O Círio de Nazaré no início se fazia da cidade para o interior, uma vez que Belém, na época, século XVIII, era ainda um núcleo reduzido. Posteriormente, essa mobilização passou a ser feita do interior para a cidade, pois os romeiros deslocam-se de todas as áreas da região para vivenciar os dias da festa. Para Moreira (1971) o efeito simbólico desse movimento proporcionado pelo Círio atuaria como "força aglutinadora" de populações que se espalhavam pela região e tendo como função a fixação de "certos padrões de comportamento coletivo" (Moreira,1971, p. 16). Nesse sentido é que a Festa de Nazaré constitui um marco essencial do que culturalmente é importante para um modo de vida regional. A atualização do mito, além de ressaltar esses padrões, põe em destaque as instâncias de identificação regional: a Festa de Nazaré é uma festa dos paraenses, intrinsecamente regional, e assim é percebida e realizada. Reflete os desejos e anseios de uma população que se orgulha do compartilhamento de valores comuns, sejam eles efetivos, desejados ou idealizados, essencializados na condição humilde daquele que achou a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, "pobre e mestiço" (Moreira, 1971, p. 13) e seus continuadores. Por isso mesmo é que os paraenses, nas mais diversas cidades do Brasil, realizam o seu Círio no segundo domingo de outubro: seja no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Recife etc. O Círio é reproduzido e os valores regionais compartilhados da mesma forma sejam na procissão, nos pequenos arraiais montados ou na venda e consumo de comidas paraenses.
O Círio de Nazaré em Belém é como o grande estuário para onde correm os afluentes festivos das localidades do interior do Estado do Pará, as quais realizam os seus Círios e homenageiam seus padroeiros.

CONCLUSÃO

O Círio promove alguns dias de reflexão sobre o significado da identidade cabocla, pensando sobre as raízes que definem a identidade paraense enquanto indivíduos únicos num ambiente cultural diverso, ou seja, em meio a toda a pluralização da festa do Círio.
O significado da identidade cabocla constitui-se em um campo de trabalho de pesquisa histórica que precisa ser muito mais aprofundada, evidenciando diversas características regionais que fazem parte da cultura amazônica, que passam pelos seus elementos, simbologias e significados, circularidade, identidade negada, assumida e representada.
O estereótipo criado acerca do homem caboclo revela uma má compreensão da sua dinâmica social cotidiana no aspecto do significado das práticas culturais. Então, para haver tal compreensão, é preciso refletir hermeneuticamente, contextualizando-se com o ambiente social caboclo.
A análise das fontes possibilitou uma percepção dos embates, resistências e construções culturais sobre os diversos sujeitos na Amazônia, ligados a questão do Círio de Nazaré, que ao mesmo tempo negam e afirmam sua identidade enquanto caboclo.
A desconstrução dos “fardos” estereótipos caboclos  é importante para se marcar a diferença num contexto mais amplo e geral de caráter nacional, repensando o olhar negativo sobre o caboclo, através da construção histórico memorativa, exaltando as origens e raízes culturais amazônicas.
Sabe-se que a construção do processo de identificação do sujeito contemporâneo está respectivamente ligada às identidades culturais com que este mesmo se relaciona pela questão da coletividade.

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WAGLEY, Charles. Amazon Town, A Study of Man in the Tropics. London, Oxford and New York: Oxford University Press, 1976 (publicado originalmente em 1953).

White, Leslie. “Os Símbolos e o comportamento humano” In: F.H. Cardoso & O. Ianni (orgs.), Homem e Sociedade: leituras básicas de sociologia geral. SP: Editora Nacional, 1971. p. 180 -192.

VIANA, Larissa. Democracia racial e cultura popular: debates em torno da pluralidade cultural. In: Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.p. 103 -115.





[1]Licenciado em História (UVA), Bacharel em Teologia com Habilitação em Educação (FATEBE), Pós-Graduando em Ensino da História do Brasil (FACULDADE IPIRANGA) 
[2] [Do gr. archétypon, "modelo", "padrão".] Termo proposto em 1919 por Carl G. Jung, psicólogo e psicanalista suíço (1875-1961), para designar o conjunto de imagens psíquicas do inconsciente colectivo que são património comum de toda a humanidade: "São sistemas de prontidão para a acção e, ao mesmo tempo, imagens e emoções. São herdados junto com a estrutura cerebral - constituem de facto o seu aspecto psíquico. Por um lado, representam um poderoso conservadorismo instintivo e são, por outrolado, os meios mais eficazes que se pode imaginar de adaptação instintiva." (Mind and Earth, The Collected Works, vol.10, 53).

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

1- EMANCIPAÇÃO DAS COLÔNIAS PORTUGUESAS NA AMÉRICA E A FORMAÇÃO DO ESTADO DO BRASIL.


Revisão Historiográfica: BONIFÁCIO CABRAL DE MELO NETO[1]
O processo de emancipação das colônias portuguesas na América e a formação do Estado do Brasil.

  1. COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: Da Monarquia à República: Momentos decisivos. São Paulo: editora da UNESP, 1999, pp. 19 / 60

O processo de emancipação das colônias portuguesas na América e a formação do Estado do Brasil estão no cerne de um movimento maior de crise do sistema colonial e do Antigo Regime. No caso do Brasil, Emilia Viotti da Costa diz, que a crise do sistema existente na colônia brasileira tem haver também com pressões tais como:

“..... no âmbito internacional, as bases da aliança burguesa comercial-Coroa, que havia dado origem ao sistema colonial tradicional, estavam minadas: de um lado, pela emergência de novos grupos burgueses relacionados co o advento do capitalismo industrial e, de outros, pela perda de funcionalidade do Estado absolutista e pelo desenvolvimento de um instrumento crítico que procurava destruir suas bases teóricas. No âmbito das colônias, o aumento da população, o incremento da produção, a ampliação do mercado interno tinham tornado cada vez mais penosas as restrições impostas metrópole, tanto mais que cresciam as possibilidades de participação no mercado internacional” (COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 22)


            Autora fala do aumento da população que juntamente com o enriquecimento de muitos desta, junto com a ocorrência do desenvolvimento do mercado interno; estes comerciantes passaram a sofre restrições comerciais impostas pela metrópole. Os novos comerciantes adotam o modo de desvio de impostos e mercadorias e assim burlam a metrópole, pois estão percebendo uma relação que privilegia a metrópole, e é nesta conjuntura que é dado como bem vindo os movimentos liberais de emancipação das colônias americanas, que haviam sido influenciados pelas idéias iluministas e pelo ideário da revolução francesa, segundo : (COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 25)
Para Emilia Viotti da Costa e Maria Odila Leite da Silva o primeiro passo dado em direção a emancipação que se daria oficialmente em 7 de setembro 1822, aconteceu com a decisão de transmigrar a corte e a família real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808. As primeiras medidas tomadas pelo príncipe regente em terras brasileiras para assegurar a governabilidade do Império foram, também as primeiras medidas de interiorização da metrópole no Rio de Janeiro. A abertura dos portos às nações amigas, a permissão de criar manufaturas no Brasil, a criação de órgãos de governo antes somente existentes em Lisboa, como a Mesa do Desembargo do Paço, são exemplos de providências que tornam a cidade do Rio de Janeiro a nova sede do Império, a nova metrópole.


“.....a despeito crescente descontentamento de certos grupos, nada fazia crer que o domínio português no Brasil se extinguiria em menos de uma geração. Um fato viria precipitar o processo: a invasão francesa na Península Ibérica e a conseqüente transferência da corte para o Brasil...” (COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 18) “...o fato da separação do reino em 1822 não teria importância na evolução da colônia para Império. Já era fato consumado desde 1808 com a vinda da corte e abertura dos portos e por motivos alheios à vontade da colônia ou da metrópole.” (DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. p. 11)


Essa nova situação dentro do Império português acabou por impulsionar a autonomia da colônia, decisiva no processo de independência anos mais tarde. Depois da assinatura da abertura dos portos e do tratado de 1810 com a Inglaterra, a situação dos comerciantes portugueses do reino tornou-se bastante instável. Alguns destes, de Portugal e do Brasil, acabaram por se beneficiar da liberdade de comércio e enriqueciam ao poder negociar com quem oferecesse o melhor preço a suas mercadorias. Por outro lado, os comerciantes portugueses do reino muito perderam com a suspensão do protecionismo e exclusivo colonial.
Depois da expulsão das tropas de Napoleão de Portugal e do não retorno da corte e da família real, que fincavam raízes na nova sede do Império, a situação dos vassalos portugueses que permaneceram na Europa piorou bastante, sofrendo com o abandono do governo, que passou a ser considerá-lo em Lisboa como despótico; a pobreza do país e a posição periférica que a antiga metrópole assumia na nova configuração do Império. A ex-colônia estava adotando as idéias do liberalismo que por sua vez era cheia de contradições, assim define Emilia Viotti da Costa:

“... da própria essência dessas idéias. Incompatíveis, sob muitos aspectos, com a realidade brasileira. Na Europa, o liberalismo era uma ideologia burguesa contra as instituições do antigo regime, os excessos do poder real, os privilégios da nobreza, os entraves do feudalismo ao desenvolvimento da economia....No Brasil, as idéias liberais teriam um significado mais restrito....Os princípios liberais não se forjaram, no Brasil, ...Os adeptos das idéias liberais  pertenciam  às categorias rurais e sua clientela. As camadas senhoriais empenhadas em conquistar e garantir a liberdade de comércio  e autonomia administrativa e judiciária não estavam, no entanto, dispostas  a renunciar ao latifúndio ou propriedade escrava. A escravidão constituía o limite do liberalismo  no Brasil....” (COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 30)

Essa situação não tardaria a se tornar insustentável, já que as medidas tomadas por D. João VI para amenizar a insatisfação dos comerciantes portugueses de pouco adiantaram.
Em 1820 uma revolução liberal acontece na cidade do Porto, teria conseqüências graves nos dois lados. As notícias começam a chegar ao Rio de Janeiro lentamente e de forma desencontrada, provocando reações que, analisadas no contexto maior, podem ser consideradas contraditórias. Há uma grande adesão inicial ao movimento liberal nas províncias brasileiras, que defendem a adoção de uma constituição e o fim do absolutismo. Mas o limite do liberalismo no Rio de Janeiro era o liberalismo em Lisboa. Quando crescem as cobranças pelo retorno de D. João VI e da corte a Portugal e a conseqüente volta de Lisboa a posição de capital do Império português, os grupos de portugueses do reino e nascidos no Brasil começam a se redefinir, e o movimento de caráter liberal em Portugal assume contornos colonialistas em suas propostas para o Brasil, “... esperavam eles que a volta de D. João VI a Portugal acarretasse a anulação das regalias concedidas ao Brasil e o restabelecimento do Pacto Colonial rompido....”  (COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 39) E nítida A intenção antiliberal dos comerciantes portugueses
Os acontecimentos apontavam na direção da perda da autonomia de governo na porção americana do Império e da liberdade de comércio, o que era também muito prejudicial a portugueses que se fixaram no Brasil e brasileiros que não desejavam perder as vantagens e privilégios conseguidos ao longo dos anos de permanência da Corte no Rio de Janeiro.
No Brasil há três grupos ou partidos se articulando para defender seus interesses na eminência de emancipação da colônia, os quais São: um predominantemente português, um segundo seria formado de brasileiros e portugueses e o terceiro era o republicano. 
Os pertencentes ao partido dos portugueses são:


“....composto na maioria por comerciantes ansiosos por restabelecer antigos privilégios, concentrados na sua maioria no Rio de Janeiro e nas cidades portuária do norte e nordeste do país. A estes se juntavam militares e alguns funcionário da Coroa. Estavam decididos a defender a política das Cortes  ‘a custa de suas vidas e fazendas’ ”. (COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 48)


O segundo grupo compunha-se de brasileiros e portugueses foram recrutado da categoria dos dominantes que seriam os mais poderosos em posses e empregos de representação era composto de: “....altos funcionários, fazendeiros, comerciantes ligados ao comércio inglês ou Francês que almejavam a autonomia e encaravam com simpatia a fórmula da monarquia dual, sonhando com uma constituição em que figurassem como lorde...” (COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 39). São defensores da monarquia lusa, súditos fiéis do rei, embora simpáticos à idéia do constitucionalismo, não consideravam a separação do Brasil de Portugal, eram a favor de uma monarquia dual, com sede na Europa e na América. Este grupo, conhecido como elite de coimbra, somente depois de esgotadas todas as possibilidades de negociação com as cortes, acabou por apoiar a idéia da separação definitiva de Portugal.
O terceiro grupo, os republicanos eram composto de:


“....na sua maioria de elementos de tendências mais radicais e democráticas, ligados a atividades urbanas: farmacêuticos, jornalistas, ourives, médicos, professores, pequenos comerciantes e padres...sonhavam com um regime republicano semelhante ao adotado nos demais países da América...” (COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 49)


Os republicanos são os separatistas, esses são mais radicais, logo que a posição das cortes em relação ao Brasil se tornava mais clara e irredutível. Composto de cidadãos ligados às atividades liberais urbanas, além da participação em grupos maçônicos e da admiração que nutriam pela república adotada na América do Norte e nas outras colônias que se libertavam ao redor do Brasil, pretendiam criar um regime republicano e democrático no Brasil.
Neste contexto de redefinição da postura dos grupos no Brasil frente à proposta cada vez mais iminente de separatismo, D. Pedro passou a ter mais destaque. Defensor do império luso-brasileiro, a princípio, D. Pedro aliou-se ao grupo das elites, defensor da autonomia do reino do Brasil, mas a favor da manutenção dos vínculos com o Império português. Interessava-lhe continuar regente do Brasil, mas preservando os laços com Portugal. A partir de então D. Pedro começou a considerar a proposta, primeiro, de uma monarquia dual, com duas sedes autônomas. Assim, conseguiria salvaguardar parte do Império das influências liberais das Cortes, e preservar sua própria autoridade.
À medida que as Cortes diminuíam a autoridade do rei e cada vez mais interferia no Brasil. O que levaria D. Pedro mais tarde a abandonar a idéia de dualidade de monarquia, pois...  


“...nos últimos dias de agosto de 1822, chegaram ao Brasil noticias da últimas decisões das Cortes reduzindo o príncipe a um delegado temporário das Cortes, com secretários de Estado nomeado em Lisboa, circunscrevendo sua autoridade às províncias em que ela se exercia de fato, anulando a convocação do conselho procurador e ma se exercia de fato, anulando a convocação do conselho procurador e mandando processar quantos houvessem procedido contra a política das Cortes...(COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 53 e 54)


              Convergiram para o príncipe aspirações as mais contraditórias. Para os portugueses, ele representava a possibilidade de manter o Brasil unido a Portugal. Acreditavam eles que só a permanência do príncipe no Brasil poderia evitar um movimento separatista.


“.....podem-se vislumbrar, dentro dos padrões da época, o carisma que teria a imagem de um Príncipe Regente e a força com que atraia a massa de povos mestiços e desempregados, incapazes de se afirmarem, sem meios de expressão política, tomados de descontentamento, que, em sua insatisfação, por demais presos ao condicionamento paternalista do meio em que surgiram, revoltavam-se contra monopolizadores do comércio e contra atravessadores de gêneros alimentícios. Porém a Corte e o poder real fascinavam-nos como uma verdadeira atração messiânica; era a esperança de socorro de um bom pai que vem curar as feridas dos filhos. Nem a febre do constitucionalismo  chegaria a afetar drasticamente seu condicionamento político...” (DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. p. 27)


Os brasileiros que almejavam a preservação das regalias obtidas e pretendiam a criação de uma monarquia dual consideravam também essencial a permanência do príncipe. Os mesmos pensavam os que almejavam a independência definitiva e total, mas temiam as agitações do povo. Para estes, o príncipe representava a possibilidade de realizar a independência sem alteração da ordem.      
              Embora temeroso dos efeitos da atitude do príncipe de desobediência das cortes poderia causar, o príncipe decidiu manter-se ao lado da elite conservadora e adeptos da separação e não retornar a Portugal conforme fora exigido pelas cortes. Esse gesto foi uma reação das elites contra a possibilidade de uma revolta popular e a disseminação da desordem, que levariam à fragmentação do território do reino do Brasil. Não tinha ainda uma clara intenção separatista, embora o ato de desobediência do príncipe indique uma tomada de atitude neste sentido.
A independência deu-se encabeçada por um príncipe português apoiado por uma elite resistente à idéia de separação. Assinala-se, ainda, que esses adeptos da causa brasileira visavam também a manter seus privilégios, suas propriedades, e a ordem escravista, que era frágil e tensa essa sociedade mantida sob o risco permanente de eclosão de uma revolta social.
D. Pedro em viagem à São Paulo, recebeu de José Bonifacio uma mensagem de decisão tomada em Portugal de que tropas seriam enviadas ao Brasil, alem de na mensagem havia conteúdo ofensivo ao príncipe, nesta mensagem de José Bonifacio o mesmo dizia para D. Pedro  tomar decisão quanto a situação do Brasil frente a Portugal,  Foi  que D. Pedro declarou a independência do Brasil em 7 de setembro de 1822. (COSTA, Emilia Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 54)

  1. DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005, p. 7 / 37.

Maria Odila Dias elege a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro como chave de iniciação da ruptura de vínculo político com Portugal, a autora  destacar a importância de diversas reformas moderadas sendo então exercitadas na forma de ser da governar portuguesa, bem como o papel das tensões sociais verificadas na região do Porto no norte de Portugal, e o enraizamento do próprio Estado português no centro-sul da América portuguesa. Quadro complexo de variantes que segundo a autora ia pouco a pouco transformando a colônia em metrópole interiorizada.
            Nesse sentido, Maria Odila Dias entrecruzou fatores econômicos derivados do processo de gestação das redes de abastecimento mais amplas que, pouco a pouco, iam surgindo ao redor do Rio de Janeiro, com os novos fundamentos políticos que progressivamente, iam sendo instituídos na nova sede do império em face da presença física da corte portuguesa naquele sitio. Políticas foram implementadas pela coroa no sentido de centralização do poder, com o objetivo de dirimir conflitos sociais:
“....preocupo-se a Corte em abrir estradas e, fato quase inédito, em melhorar as comunicações entre as capitanias, em favorecer o povoamento e a doação de sesmarias...precisavam incrementar o comércio e movimentar meios de comunicação e transporte. Além dos estrangeiros, continuavam os viajantes  e engenheiros nacionais a explorar o interior do país, a realizar levantamento e maps topográficos....” (DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. p. 36)


O que se tem são esforços de D. João em fazer do Brasil uma colônia de povoamento e não só de exploração, essa intenção gerou mais tarde um grande movimento interno de cunho comercial como também uma serie de divergências de categorias sociais.
Segundo a autora, a “tarefa de reforma e construção acabou por  absorver os esforços de “ ilustrados brasileiros “ no âmbito do Estado português instalado no Rio de Janeiro abrindo assim espaço para surgimento daquilo que ela definiu como sendo a “ geração da independência ”


“ Consumada a separação política, que aceitaram, mas que de início não quiseram, não pareciam brilhantes para os homens da geração da independência as perspectivas da colônia para transformar-se em nação e sobretudo em uma nação moderna com base no princípio liberal do regime constitucionalista. Os políticos da época eram bem conscientes da insegurança das tensões internas, sociais, raciais, da fragmentação, dos regionalismos, da falta de unidade que não dera margem ao aparecimento de uma consciência nacional capaz de dar força a um movimento revolucionário disposto a reconstruir a sociedade. Não faltavam manifestações exaltadas de nativismo e pressões bem definidas de interesses localistas. No entanto, a consciência propriamente "nacional" viria pela integração das diversas províncias e seria uma imposição da nova Corte no Rio de Janeiro (1840-1850) conseguida a duras penas por meio da luta pela centralização do poder...” (DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. p. 17)


            Ao ser feitas as mudanças em território brasileiro por D. João, observa-se um aprofundamento da interiorização da estrutura administrativa e consecutivamente de modos de viver local, tem-se então um Brasil muito heterogêneo de regionalismo, após a independência em 1822, a elite estará forjando um nacionalismo a seu modo, onde se tem uma Corte na pessoa de D. Pedro procurando ser o personagem centralizador de suposto  pai nacional diz Maria Odila Leite da Silva “.....principalmente no sentido de arregimentação de forças políticas, pois proviria em grande parte daquela experiência a imagem do Estado nacional que viria a se sobrepor aos interesses locais...” (DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. p. 37). A autora ainda afirma sobre o projeto de poder dos portugueses onde diz que nos anos de 1838 – 1870 forjou-se pelos chamados “ilustrados brasileiros” um nacionalismo didático “integrador e progressistas”

  1. DE CARVALHO, José Murilo. “juízes, padres e soldados: os matizes da ordem”. In: a  Construção da Ordem: a elite política imperial. A política imperial. Rio de Janeiro: Editora Relume-Dumará, 1996, pp.155 / 180.

Lendo o trabalho de José Murilo de Carvalho torna-se possível compreender as complexas relações entre Estado e sociedade civil no Brasil do séc. XIX.
            José Murilo de Carvalho apresenta em seu trabalho os personagens: magistrados, padres e soldados e faz alusão as tais classes dizendo que as mesmas existem nas três décadas após a independência, entretanto Carvalho, procurou focar sua pesquisa nos magistrados “...daremos mais atenção aos magistrados....”(DE CARVALHO, José Murilo. “juízes, padres e soldados: p. 156)
            Entretanto é possível se distinguir as classes e o que fazem na estrutura administrativa do Brasil.
            Os magistrados:


“......a magistratura portuguesa, de cujo o seio brotou   a brasileira, era um grupo surpreendentemente moderno em termos profissionais num país por muitos julgado patrimonial. Espinha dorsal do governo, ....começam a predominar na burocracia portuguesa já no século XIV, saídos principalmente da pequena nobreza e do próprio funcionalismo, candidatavam-se a carreira com diploma em direito civil ou canônico na Universidade de Coimbra...” DE CARVALHO, José Murilo. “juízes, padres e soldados: p. 156”.      


            Os magistrados eram treinados no oficio passando pelo cargo de juiz de fora exercido nas colônias, estes circulavam por toda a colônia e depois pela metrópole com a finalidade de os mesmos tivessem domínio sobre o sistema burocrático português. Depois de 15 anos começava o processo de ascensão  na carreira.
            Carvalho não nega as cisões na magistratura, divergências internas, entretanto, os magistrados estavam a serviço do fortalecimento do Estado nacional.: “....apesar das divergências, os vários setores da burocracia possuíam em comum o compromisso com o fortalecimento do Estado, a visão nacional, a oposição ao localismo, ao predomínio o excessivo de grupos ou setores de classes...” (CARVALHO, José Murilo de. “juízes, padres e soldados: ”.p.178), o autor ainda diz que a unidade geral da elite política se caracterizava pelos magistrados. Ou seja os magistrados são importantes para a construção da ordem; José Murilo Carvalho apresenta a estrutura de governo no período de 1871, onde o Brasil aprovou um projeto  lei que reduzia os poderes dos magistrados, uma fez que estes acumulavam cargos, então tem-se em 1871 uma reforma no judiciário,


“.....a reforma judiciária de 1871 continuou o esforço profissionalizante afastando os juízes mais e mais de tarefas não diretamente vinculada ao cargo...a eliminação dos magistrados e empregados públicos em geral da representação nacional reduziu o peso do executivo, tornou o legislativo mais representativo, ao reduziu o peso do executivo, tornou o legislativo mais representativo, ao mesmo tempo em que enfraquecia a posição estatizante entre os políticos e dava margens a um aumento da representação dos interesses de grupos”  (DE CARVALHO, José Murilo. “juízes, padres e soldados: ”.p.165)


Quanto aos padres, José Murilo de carvalho se refere aos mesmos inicialmente, dizendo: “..... Não localizamos nenhuma discussão sobre seu papel político tão elaborada como a relativa aos magistrados...” (DE CARVALHO, José Murilo. “juízes, padres e soldados: ”.p.165)
Entretanto José Murilo de Carvalho, apresenta quem era tal personagem, onde diz:


“.... a situação do clero em relação ao Estado era ambígua. Se por efeito de união Igreja-Estado o padre era um funcionário público, pago pelos cofres do governo geral, não deixava também de pertencer a burocracia paralela, uma organização que  ao longo da história se tinha empenhado em lon se tinha empenhado em longas batalhas contra o mesmo Estado pelo controle do poder político....”  (DE CARVALHO, José Murilo. “juízes, padres e soldados: ”.p.165)


A formação dos padres era da ordem dos Jesuítas, ordem essa que foi expulsa do Brasil por Marques de Pombal, o que levou mais tarde segundo José Murilo de Carvalho a um clero malformado e sem disciplina... (DE CARVALHO, José Murilo. “juízes, padres e soldados: ”.p.166).
Há da parte dos padres um histórico de envolvimento com praticamente todas as manifestações de rebeliões, sabe-se que os seminários jesuíticos eram de ensinamento iluministas, ou seja os padres ao estarem participando da rebeliões, fazem pelo ideário das revolução Francesa e Americana, além de que os padres estavam juntos a maçonaria. (CARVALHO, José Murilo de. “juízes, padres e soldados: ”.p.167)
“O comportamento político dos padres se político dos padres se distinguia, portanto do dos magistrados. Enquanto os últimos se colocavam quase sistematicamente ao lado da monarquia, da ordem, da unidade nacional, os primeiros, ou pelo menos alguns deles, se encontravam quase sempre entre os participantes de movimentos rebeldes e entre a posição liberal, combatendo o absolutismo, a centralização do poder, e mesmo a unidade nacional....” (CARVALHO, José Murilo de. “juízes, padres e soldados: ”.p.174)


No período do império foi importante para o Estado que este tivesse um relacionamento com a igreja de um certo controle, pois a igreja possuía grande poder sobre a população, desta forma o governo se beneficiava; relação essa que deixa de existir na republica, (CARVALHO, José Murilo de. “juízes, padres e soldados: ”.p.171)
Os soldados: José Murilo de Carvalho ao tratar o assunto concentra-se mais no Exército, então dividida a corporação em dois grupos que são: os oficiais e os soldados. Os oficiais estão ligados a elite os soldados a classe pobre. E de grande relevância a analise da origem dessa instituição, que segundo José Murilo de Carvalho, é oriundo do sistema absolutista.
No Brasil no espaço da independência observa-se, tanto o Exército como a Marinha, a pratica de se fazer oficiais que passam pelo colégio dos nobres ou pela academia da Marinha, e era necessário ser nobre. (CARVALHO, José Murilo de. “juízes, padres e soldados: ” .p.171)
O Brasil ampliou seu território e obteve sua independência com  lutas, onde o Estado fez uso da força do Exército e ate mesmo a Marinha, e após todo esse período, o governo esteve preservando tal estrutura. Tem-se a classe dominante nos altos postos em uma relação direta com a elite brasileira: (CARVALHO, José Murilo de. “juízes, padres e soldados: ”.p.171)
O exército em certo momento juntou-se com os padres em rebeliões que antecedem a independência, então foram disciplinados pelo imperador, pois estes estavam botando em risco a integridade do Estado, a partir de então foi criada a  guarda nacional, formada por oficiais de alta confiança. (CARVALHO, José Murilo de. “juízes, padres e soldados: ”.p.173)
A monarquia ao consolida-se e com a diminuição do poder dos magistrados, observa-se que o exército começa a ocupar espaço mais eficaz nas relações políticas dentro da estrutura, percebe-se no processo da história o configurar-se do exército na direção do poder político do país, então José Murilo Carvalho afirma: “Pode-se dizer que os militares foram os substitutos dos magistrados no final do império e início  da república, (CARVALHO, José Murilo de. “juízes, padres e soldados: ”.p.177)

  1. REIS, João José. O jogo duro do dois de julho: o “partido negro” na Independência da Bahia. In: Negociação e Conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, pp. 79 / 98.

João José Reis no inicio de sua produção esclarecendo que estará discutindo no processo da independência da Bahia as posições das várias forças sociais, propõe-se a analisar as atitudes dos negros e pardos, livres ou escravos, diante dos acontecimentos, e a discutir os temores da elite frente ao que chamou de “partido negro” da independência.  
O episódio do Dois de Julho, acontecido na Bahia em 1823, é bastante significativo. Como se sabe, ele resultou da oposição e do desentendimento entre brancos nascidos na província baiana e os portugueses que lá moravam. A elite baiana, enquanto lutava para afastar os portugueses dos negócios e do poder político na província, temia que os negros adicionassem à causa em questão o fim da escravidão. O que ela pretendia era uma mudança que não interferisse e nem modificasse o regime de escravidão. Portanto, se fazia necessário desmobilizar o “partido negro” e sua pretensão de instituição da liberdade dos cativos, juntamente com a libertação da dominação portuguesa..
Este acontecimento histórico evidencia a luta empreendida por escravos africanos de religiosidade mulçumana que demonstraram capacidade de organização para impulsionar seu projeto de superação da sua condição escrava, “...Estas se inspiraram ideologicamente sobretudo em tradições oriundas da África Ocidental – como as religiões étnicas e o Islã – e não da Europa...” (REIS, João José. O jogo duro do dois de julho: p. 94)    
Entre os escravos havia diferenças de ordem étnica e de nascimento que alimentavam rivalidades que na vida cotidiana eram utilizadas pelos senhores para evitar uma união entre os mesmos que pudesse em perigo poder senhorial – tal era o caso da rivalidade existente entre os pretos e os crioulos, porém os escravos, também se aproveitavam das diferenças e das inimizades entre os senhores para fugir e negociar direitos. Assim os escravos não estavam coesos em um projeto de libertação, por conto dos interesses serem divergentes, desta forma não poderiam executar um projeto efetivamente cunho revolucionário, João José Reis diz:


“A inquietação entre os escravos inquietou a elite baiana . é o que revelam as palavras de José Garcez Pinto de Madureira, irmão de dona Bárbara: “os que não são nada e que querem pilhar o bom buscam a anarquia. .... se faltasse a tropa eram outros São Domingos”. Nessa ilha do Cariba, como vimos, três décadas antes os escravos haviam se rebelado, vencidos os senhores e acabado com a escravidão .... e a despeito dos pesadelos da elite baiana eles não criaram um novo Haiti aqui ..... Não conseguiram organiza-se para tal, e ademais, eles também achavam-se divididos em diversas etnias africanas adversárias, além da secular e difundida animosidade entre crioulos e africanos...”  ( REIS, João José. O jogo duro do dois de julho: p. 94, 95)   


É de grande relevância a tese de João José Reis, onde ele deixa claro que as revoltas escravas não têm relação com a ideologia liberal vigente em território brasileiro. Tem muito mais do que escravos lutando abertamente contra o sistema, os escravos foram estrategista na arte de negociações com seus senhores, eles procuraram em diversas ocasiões negociar direitos ou condições mínimas de sobrevivência. Cada etnia busca sua forma de resistência e suprimento de suas necessidades.    
Logo se vê que a experiência negra, ela se comporta em dimensões, que vão além da acomodação dos negros, do assassinato de feitores e senhores, passando pela negociação no interior das fazendas e pela fuga, seguida ou não da formação de quilombos, onde também despontaram ex-escravos escravizando negros.
Afinal, a análise do autor busca construir uma visão dialética a respeito das relações entre escravos e senhores; Tem-se por exemplo negros participando lutas prol independência por acreditar no fim da escravidão:


“...... com efeito, os escravos, sobretudo os crioulos e os pardos nascidos no Brasil, mas também os africanos, não testemunharam passivamente o drama da independência. Muitos chegaram a acreditar, às vezes de maneira organizada, que lhes cabia um melhor  papel no palco político em via de ser montado com a vitoria baiana....” ( REIS, João José. O jogo duro do dois de julho: p. 92)   


A independência brasileira, não modificou o principal pilar da economia do Brasil na época, o modo de produção escravista


“...foi por essa razão que as populações coloniais se mostraram receptivas a ideologias revolucionarias que se difundiram na Europa no século XVIII. A despeito da cesura, os livros de Rousseau, Montesquieu, Raynal e mesmo de alguns autores  mais radicais, como Mably, chegavam a colônia e inflamavam os espíritos. Mais importante do que a sedução dos livros, na divulgação do pensamento revolucionário, foi o impacto da Revolução Americana e da Revolução francesa. os dois movimentos tiveram um efeito revolucionário contagiante na América. Os que se ressentiam do domínio colonial viram no exemplo das duas revoluções o caminho para os que se ressentiam do domínio colonial viram no exemplo das duas revoluções o caminho para sua emancipação.”



[1]Licenciado em História (UVA), Bacharel em Teologia com Habilitação em Educação (FATEBE), Pós-Graduado em Ensino da História do Brasil (FACULDADE IPIRANGA).